quarta-feira, 20 de outubro de 2010

No tempo das matas, das roças, das boiadas e das tropas: o saci - I




Existem várias maneiras de apresentar o saci. Nesta coluna serão registradas as múltiplas
versões desse mito que ocupa um significativo espaço no imenso patrimônio imaterial do folclore brasileiro.  Comecemos pelo que nos conta o mestre Câmara Cascudo.

Negrinho com uma só perna, carapuça vermelha na cabeça, que o faz encantado, ágil, astuto. O Saci-Pererê usa barretinho encarnado, carapuça vermelha que dá os poderes milagrosos que possui. Se alguém lhe arrebata a carapuça, o Saci dará montões de ouro para reaver o chapeuzinho. (O Saci-Pererê, Resultado de um Inquérito, São Paulo, 1917.) Esse elemento é uma herança do Fradinho da Mão Furada e do Pesadelo europeu. O Fradinho da Mão Furada (o Saci aparece com a mão furada em alguns lugares de São Paulo, Inquérito) usa barrete encarnado e causa o pesadelo. Este, quando personalizado, traz a carapuça, e ambos darão quanto se peça para recuperar o chapéu que lhes for tomado (J. Leite de Vasconcelos, Tradições Populares de Portugal). Amigo de fumar cachimbo, de entrançar as crinas dos animais, depois de extenuá-los em correrias, durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, não localizável e assombrador Não atravessa água, assim como todos os encantados. Diverte-se criando dificuldades domésticas, apagando o fogo, queimando alimentos, espantando gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários. Há muita documentação sobre o Saci. Os cronistas do Brasil colo­nial não o mencionam. Parece ter nas­cido no século XIX ou final do antecedente. É conhecido também como Matintapereira, Maty, Saci-Pererê. As informações sobre esse mito são muito controvertidas: pode surgir como assombração ou visagem, assustando as pessoas. Às vezes torna-se mulher ou se transforma em passarinho assobiador. Acredita-se que tenha por companheira uma velha índia ou uma negra mal-ajambrada, cujo assobio arremeda seu nome. Há aves com o seu nome. O negrinho buliçoso, visível ou invisível, troçando de todos, aparece no folclore português. Os elementos do Saci e suas armas vêm de muitas paragens e são dos melhores tipos de convergência. O Saci-Pererê, Resultado de um Inquérito, São Paulo, 1917, reuniu extenso documentário sobre o mito. Uma das lendas se refere a uma mulher muito idosa, que costumava dar três cachimbadas todas as noites. Depois preparava o cachimbo para a noite seguinte e ia dormir. No dia seguinte, o fumo do cachimbo havia desaparecido. E assim todas as noites, até que ouviu um ruído e, espiando pelo buraco da fechadura, reconheceu o Saci roubando o seu fumo. Na noite seguinte, encheu o cachimbo com pólvora e só um pouco de fumo. O Saci chegou e foi acendendo o cachimbo. Aí, ouviu-se um estrondo. O susto que ele levou foi tamanho que nunca mais voltou para atrapalhar as cachimbadas da velha. (Cascudo, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global Editora, 2000).



Comitiva Brasil Poeira
Preservando a cultura do homem do campo
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário