terça-feira, 19 de abril de 2011

Rodeio, sim ou não?


E mais uma Festa de Peão chega ao fim, e com isso renasce, em algumas pessoas, a inquietação em relação ao que realmente ocorre nos bastidores deste evento, e essas dúvidas são, por muitas vezes, assunto de longa discussão entre duas classes bem distintas de pessoas, as que gostam de rodeio e as radicalmente contra. Porém, normalmente, essa discussão é feita por pessoas leigas.
Este artigo não tem o intuito de defender ou fazer apologia ao rodeio, e sim esclarecer algumas dúvidas em relação a esse assunto tão polêmico.
O rodeio profissional, hoje é uma profissão, tem regras que precisam ser cumpridas para que ele possa ocorrer. Dentre estas regras está a regularização do sedém, fita feita de algodão que passa pela virilha do animal (cabe aqui informar que ao apertar demais essa região o animal deita, aliás, no campo é uma prática muito comum de contenção de animais de grande porte), essa tira, no rodeio, serve de estímulo para o animal, ao pular, levantar mais a garupa. Algumas pessoas divulgam que esta tira prende os tastículos do animal, porém é uma informação muito errada, afinal existem éguas que pulam rodeio e são excelentes no que fazem.
Já no caso das esporas, hoje elas seguem rigoroso padrão internacional, de grande espessura para não machucar o animal. Vale aqui ressaltar a importância do juiz de arena, que atua verificando se o animal apresenta alguma escoriação causada pela espora do competidor, ou competidora, no caso da prova dos Três Tambores. Em caso de qualquer injúria o competidor é automaticamente desclassificado.
Outro fato que vale ser destacado são as associações existentes no Brasil, tal como Liga Nacional de Rodeio (LNR), responsável, inclusive pelo rodeio de São Roque; PBR-Brasil (Professional Bull Riders); Confederação Nacional do Rodeio (CNAR); e mais recentemente a ABBI (American Bucking Bull Industry) uma fundação voltada para o melhoramento genético de touros de rodeio. Essas associações são as principais regulamentadoras do rodeio de modo profissional.
O rodeio, apesar das discordâncias, é hoje tido como um esporte, uma profissão, em que seus integrantes, homens e animais, são vistos como atletas, passando por rigoroso treinamento, cuidados com saúde física e emocional, tal como, os esportistas profissionais.
Outro fator que deve ser ressaltado aqui é a existência do ECOA – Centro de Estudos do Comportamento Animal, sediado na cidade de Barretos, SP e coordenado pelo Profº Dr. Orivaldo Tenório de Vasconcelos. Este Centro desenvolve pesquisas com o intuito de garantir o bem estar de animais envolvidos em rodeio e provas. Essas pesquisas são realizadas em convênio com a FUNEP – Fundação de Apoio a Pesquisa, Ensino e Extensão da UNESP Jaboticabal, além de submetê-las a entidades nacionais e internacionais como a Colorado University, nos Estados Unidos.
 Infelizmente ainda existem festas que não seguem as regras e acabam maltratando os animais, mas não podemos usar estas festas como padrão. Aqui em São Roque a festa é profissional.
Espero ter ajudado de alguma forma.

Por César Pequeno
16/04/2011

sábado, 30 de outubro de 2010

No tempo das matas, das roças, das boiadas e das tropas: o saci - II

Existem várias maneiras de apresentar o saci. Nesta coluna serão registradas as múltiplas versões desse mito que ocupa um significativo espaço no imenso patrimônio imaterial do folclore brasileiro. Na postagem de 20/10/10 vimos o Saci na versão de Câmara Cascudo, hoje temos a de Hugo de Carvalho Ramos e seu clássico Tropas e boiadas.

"Por aquele tempo, o Saci andava desesperado. Tinham-lhe surripiado a taça de mandinga. O moleque, extremamente irritado, vagueava pelos fundões de Goiás. Pai Zé, saindo um dia à cata dumas raízes de mandioca castela que sinhá dona lhe pedira, topou com ele nos grotões da roça. O preto, abandonando a enxada e de queixo caído, olhava pasmado o negrinho que lhe fazia caretas e trejeitos, a saltar no seu único pé, e fungando terrivelmente.

- Vancê quer alguma coisa? Perguntou pai Zé admirado, vendo agora o moleque rodopiar como o pião do ioiô.

- Olha negro, respondeu o Saci, vancê gosta de Sá Quirina, aquela mulata de sustância; pois eu lhe dou a mandinga com que ela há de ficar enrabichada, se vancê me arranja a cabaça que perdi.

Pai Zé, louco de contentamento, prometeu. A cabaça, ele sabia-o, fora amoitada pelo Benedito Galego, um caboclo sacudido que, cansado das malandrices do moleque, a tinha roubado das grimpas do jatobá grande, lá nas roças ao ribeirão. Pai Zé fora um dos que tinham aconselhado, para obstar que o Saci como era seu costume quando incomodado, tornasse a levantar as árvores da derrubada que o Benedito fizera nessas terras. Arrastando as alpercatas de couro cru pelas terras de Sô Feitor, pai Zé capengava satisfeito e inchado com a promessa do Saci. Desde Santo Antônio que ele rondava Sá Quirina, procurando sempre ocasião de lhe mostrar que, apesar dos seus sessenta e cinco anos e meio, um olho de menos e falta de dente na boca, não era negro para se desprezar assim por um canto, não, que sustância ainda ele tinha no peito para aguentar com a mulata e mais a trouxa de Sá Quitéria, sua mulher, se ele tinha! Mas a cafusa era dura da gente convencer. Toda a eloquência que ele penosamente engendrara em seu bestunto de africano e que lhe tinha despejado pela festa de S. Pedro, não teve outro resultado senão a fuga da roxa quando o encontrava.

- Mas agora, gaguejava o preto, eu lhe amostro, que o Saci é mesmo bicho bom pra deitar um feitiço. Com a rica dádiva dum quartilho de cachaça e meia mão do seu fumo pixuá, pai Zé alcançou do Galego a cabaça desejada. Sá Quitéria, porém, não via com bons olhos o afã de seu velho pela posse da milonga. E ela também sabia deitar e tirar quebranto, se sabia! Perguntassem à bruxa da Nhá Benta, que desde vésperas de Reis estava entrevada na trempe do jirau; e não era o zarolho e cambaio do seu homem que a enganasse. Por isso, a velha ciumenta estava de tocaia, desejosa por saber de seu intento. Lá ia pai Zé, arrastando novamente as alpercatas de couro cru pelas terras de Sô Feitor, à entrevista do Saci. Atrás dele, sorrateira, lá ia também Sá Quitéria. O negro chegou aos grotões e chamou pelo Saci, que de pronto apareceu.

- Toma lá a cabaça de mandinga, seu Saci, e dá-me o feitiço pra Sá Quirina. O moleque desbarretou-se, tirou uma pitada grossa da cumbuca, fungou, e, entregando o resto a pai Zé, disse:

- Dá-lhe a cheirar essa pitada, que a crioula é sua escrava. E desapareceu, fungando, pulando no seu único pé, nos grotões e covoadas da roça.

- Ah negro velho dos infernos que conheci a tua tramóia, gritou Sá Quitéria furiosa, saindo do bamburral e segurando-o pelo papo. E, na luta do casal, lá se foi o feitiço que o pobre pai Zé adquirira com o sacrifício dum quartilho de cachaça e a meia mão do seu bom fumo pixuá.


Desde então, nunca mais houve paz no casal, que se devorava às pancadas; e pai Zé arrenegava sem descanso o maldito que introduzira a discórdia no seu rancho.

- Porque, Ioiô, concluiu preto velho que me contava esta história - a todo que viu e falou com o Saci, acontece sempre uma desgraça. Goiás, 1910" (Hugo de Carvalho Ramos. Tropas e boiadas. Belo Horizonte. Itatiaia, 1986)




Comitiva Brasil Poeira
Preservando a cultura do homem do campo

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Levantando poeira para o Fogo de chão 2010



No último final de semana (23/10/10) alunos, familiares e amigos fizeram mutirão de preparação para o local onde será o Fogo de Chão deste ano. Marque na sua agenda: 05 de dezembro, domingo! As vagas serão limitadas; os convites estão sendo preparados, e ficarão à sua disposição nos próximos dias. Você, que foi nos anos anteriores, sabe que é um evento imperdível. Na próxima edição você saberá onde vai ser;  você vai gostar.



Comitiva Brasil Poeira
Preservando a cultura do homem do campo
 

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Fogo de chão 2010



Marque na sua agenda: 05 de dezembro, domingo! As vagas serão limitadas e os convites estão sendo preparados, e ficarão à sua disposição nos próximos dias. Você, que foi nos anos anteriores, sabe que é um evento imperdível. Não se preocupe em saber onde será, você vai gostar.









Comitiva Brasil Poeira
Preservando a cultura do homem do campo

Levantando poeira em Canguera e em Vargem Grande Paulista

Os alunos da Escola de Viola Caipira participaram, no dia 19 de setembro último, das festividades em homenagem a Santa Cruz e Bom Jesus, padroeiros do bairro de  Canguera,  organizadas pelos festeiros Rosa e Mauro Carriço, Fernanda e Fernando Góes e Sheila e Osmar Oliveira.  
Estiveram presentes também no dia 1º deste mês nas festividades em homenagem ao idoso, organizadas pela Prefeitura do município de Vargem Grande Paulista.  






 Comitiva Brasil Poeira 
Preservando a cultura do homem do campo
 

No tempo das matas, das roças, das boiadas e das tropas: o saci - I




Existem várias maneiras de apresentar o saci. Nesta coluna serão registradas as múltiplas
versões desse mito que ocupa um significativo espaço no imenso patrimônio imaterial do folclore brasileiro.  Comecemos pelo que nos conta o mestre Câmara Cascudo.

Negrinho com uma só perna, carapuça vermelha na cabeça, que o faz encantado, ágil, astuto. O Saci-Pererê usa barretinho encarnado, carapuça vermelha que dá os poderes milagrosos que possui. Se alguém lhe arrebata a carapuça, o Saci dará montões de ouro para reaver o chapeuzinho. (O Saci-Pererê, Resultado de um Inquérito, São Paulo, 1917.) Esse elemento é uma herança do Fradinho da Mão Furada e do Pesadelo europeu. O Fradinho da Mão Furada (o Saci aparece com a mão furada em alguns lugares de São Paulo, Inquérito) usa barrete encarnado e causa o pesadelo. Este, quando personalizado, traz a carapuça, e ambos darão quanto se peça para recuperar o chapéu que lhes for tomado (J. Leite de Vasconcelos, Tradições Populares de Portugal). Amigo de fumar cachimbo, de entrançar as crinas dos animais, depois de extenuá-los em correrias, durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, não localizável e assombrador Não atravessa água, assim como todos os encantados. Diverte-se criando dificuldades domésticas, apagando o fogo, queimando alimentos, espantando gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários. Há muita documentação sobre o Saci. Os cronistas do Brasil colo­nial não o mencionam. Parece ter nas­cido no século XIX ou final do antecedente. É conhecido também como Matintapereira, Maty, Saci-Pererê. As informações sobre esse mito são muito controvertidas: pode surgir como assombração ou visagem, assustando as pessoas. Às vezes torna-se mulher ou se transforma em passarinho assobiador. Acredita-se que tenha por companheira uma velha índia ou uma negra mal-ajambrada, cujo assobio arremeda seu nome. Há aves com o seu nome. O negrinho buliçoso, visível ou invisível, troçando de todos, aparece no folclore português. Os elementos do Saci e suas armas vêm de muitas paragens e são dos melhores tipos de convergência. O Saci-Pererê, Resultado de um Inquérito, São Paulo, 1917, reuniu extenso documentário sobre o mito. Uma das lendas se refere a uma mulher muito idosa, que costumava dar três cachimbadas todas as noites. Depois preparava o cachimbo para a noite seguinte e ia dormir. No dia seguinte, o fumo do cachimbo havia desaparecido. E assim todas as noites, até que ouviu um ruído e, espiando pelo buraco da fechadura, reconheceu o Saci roubando o seu fumo. Na noite seguinte, encheu o cachimbo com pólvora e só um pouco de fumo. O Saci chegou e foi acendendo o cachimbo. Aí, ouviu-se um estrondo. O susto que ele levou foi tamanho que nunca mais voltou para atrapalhar as cachimbadas da velha. (Cascudo, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global Editora, 2000).



Comitiva Brasil Poeira
Preservando a cultura do homem do campo
 

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Brasil Poeira


São quatro horas da manhã, é possível ouvir ao longe o despertador em seu poleiro anunciando a chegada de um novo amanhecer. Lá na casa começam os primeiros movimentos, a brasa da noite que passou, ainda morna, repousa no fogão. O mancebo aguarda o coador com o pó para fazer o café de mão do início da nova jornada. O cheiro delicioso já toma conta do ambiente, uma mistura de orvalho e café novo.
No quintal o melhor amigo se espreguiça e aguarda seu dono, ansioso para ir pulando alegremente trabalhar.
O sanhaço, o cuitelo, a maitaca e os demais cantores e operários de penas se espicham lá nos galhos. As criações, no curral e pastos, começam a se movimentar...
Tudo no sertão já está iniciado quando lá no horizonte surge o sol para nos visitar.
Quando a manhã clareia, revela segredos escondidos pela noite, as gotas de orvalho dão um brilho especial à paisagem verde.
Na hora do almoço, vem o menino trazer a bóia bem feitinha, com carinho e com amor da sua querida cabocla. Para outros a matula aguarda ali no arreio ou na sombra de uma árvore. E o dia passa rápido. O suor, calor, mormaço acompanham por todo o dia esse brasileiro trabalhador que é conhecido por roceiro, lavrador, carreiro ou peão de boiadeiro. Pessoas humildes e simples que vivem lá distante, ao pé da serra do, por muitos desconhecido, sertão.
A noite já vem chegando, o caminho de volta para casa, ou galpão, é tranqüilo. O cansaço no corpo é recompensado pela brisa fresca e o início do luar; chega em casa e se alegra com o cheiro da comida que a cabocla deixou pronta no fogão. Toma um gole da sua pinga preferida, janta e em seguida se ajeita na varanda, quintal ou mesmo na soleira da porta, aperta seu cigarrinho de palha, pega sua viola bem afinada e convida a natureza para com ele duetar.
Esse era o dia que essas pessoas privilegiadas levavam muito antes de o asfalto cobrir nossa história, antes de a buzina substituir o canto chorado do carro de boi, antes de o peão perder seu emprego para o motorista da jamanta...
Hoje restam saudade e recordações; não se vêem mais luar, boiadas, orvalho e alvorecer. A vida se tornou rápida e dinâmica.
Mas em algum lugar ainda existe a faísca do sertão passeando pelos trastes de violas que cantam com maestria essa história tão rica do nosso país, violas que podem estar nas mãos de um velho peão aposentado, de um professor, de um simples violeiro apaixonado ou até mesmo nas mãos promissoras de um menino simples...
Violas bem afinadas de um Brasil caboclo que não deixou que o progresso enterrasse essa história; violas que não permitem que a vida seja passageira, violas de um BRASIL POEIRA.


Por César Pequeno
09/12/08